A PÁSCOA
Reunidos os discípulos em companhia de Jesus. o
Messias afirmou:
– Não vos perturbeis com as minhas afirmativas,
porque, em verdade, um de vós outros me há de trair!....As mãos, que eu
acariciei, voltam-se agora contra mim. Todavia, minhalma está pronta para a
execução dos desígnios de meu Pai.
A pequena assembléia fez-se lívida. Com exceção
de Judas, que entabulara negociações particulares com os doutores do Templo,
faltando apenas o ato do beijo, afim de consumar-se a sua defecção, ninguém
poderia contar com as palavras amargas do Messias. Penosa sensação de mal-estar
se estabelecera entre todos. O filho de Iscariotes fazia o possível por
dissimular as suas angustiosas impressões, guardado os companheiros se dirigiam
ao Cristo com perguntas angustiadas. – Quem serão o traidor? – Disse Felipe,
com estranho fulgor nos olhos.
– Serei eu? – Exclamou André, ingenuamente.
– Mas, afinal – objetou Tiago, filho de Alfeu,
em voz alta – onde está Deus que não conjura semelhante perigo?
Jesus, que se mantivera em silêncio ante as
primeiras interrogações, ergueu o olhar para o filho de Cléofas e advertiu:
– Tiago, faze calar a voz de tua pouca confiança
na sabedoria que nos rege os destinos. Uma das maiores virtudes do discípulo do
Evangelho é a de estar sempre pronto ao chamado da Providência Divina. Não
importa onde e como seja o testemunho de nossa fé. O essencial é revelarmos a
nossa união com Deus, em tôdas as circunstâncias, É indispensável não esquecer
a nossa condição de servos de Deus, para bem lhe atendermos ao chamado, nas
horas de tranqüilidade ou de sofrimento.
Mais tarde Jesus se retirou em companhia de
Simão Pedro e dos dois filhos de Zebedeu para o Monte das Oliveiras, onde
costumava meditar. Os demais companheiros se dispersaram, impressionados,
enquanto Judas, afastando-se com passos vacilantes, não conseguia aplacar a
tempestade de sentimentos que lhe devastava o coração.
O Crepúsculo Começava a cair sobre o céu claro.
Apesar do sol radioso da tarde a iluminar a paisagem soprava o vento em rajadas
muito frias.
Dai a alguns instantes, O Mestre e os três
companheiros alcançavam o monte, povoado de árvores frondosas, que convidavam
ao pensamento contemplativo.
Acomodando os discípulos em bancos naturais que
as ervas do caminho se incumbiam de adornar, falou-lhes o Mestre, em tom sereno
e resoluto:
– Esta é a minha derradeira hora convosco! Orai
e vigiai comigo, para que eu tenha a glorificação de Deus no supremo
testemunho!
Assim dizendo, afastou-se à pequena distância
onde permaneceu em prece, cuja sublimidade os apóstolos não podiam observar.
Pedro, João e Tiago estavam profundamente tocados pelo que viam e ouviam. Nunca
o Mestre lhes parecera tão solene, tão convicto, como naquele instante de
penosas recomendações. Rompendo o silêncio que se fizera, João ponderou :
Oremos e vigiemos, de acordo com a recomendação
do Mestre, pois, se ele aqui nos trouxe, apenas nós três, em sua companhia,
isso deve significar para o nosso espírito a grandeza da sua confiança em nosso
auxílio.
Puseram-se a meditar silenciosamente.
Entretanto, sem que lograssem explicar o motivo, adormeceram no recurso da
oração.
Passados alguns minutos, acordavam, ouvindo o
Mestre que lhe observava:
– Despertai! Não vos recomendei que vigiásseis?
Não podereis velar comigo, um minuto?
João e os companheiros esfregaram os olhos,
reconhecendo a própria falta. Então, Jesus, cujo olhar parecia iluminado por
estranho fulgor, lhes contou que fora visitado, por um anjo de Deus que o
confortara para o martírio supremo. Mais uma vez lhes pediu que orassem com o
coração e novamente se afastou. Contudo, os discípulos, insensivelmente,
cedendo aos imperativos do corpo e olvidando as necessidades do espírito, de
novo adormeceram era meio da meditação.
Despertaram com o Mestre a lhes repetir :
– Não conseguistes, então, orar comigo?
Os três discípulos acordaram estremunhados. A
paisagem desolada de Jerusalém mergulhava na sombra.
Antes, porém, que pudessem justificar de novo a
sua falta, um grupo de soldados e populares aproximou-se, vindo Judas à frente.
O filho de Iscariotes avançou e depôs na fronte
do Mestre o beijo combinado, ao passo que Jesus, sem denotar nenhuma fraqueza e
deixando a lição de sua coragem e de seu afeto aos companheiros, perguntou :
– Amigo, a que vieste?
Sua interrogação, todavia, não recebeu qualquer
resposta. Os mensageiros dos sacerdotes prenderam-no e lhe manietara as mãos,
como se o fizessem a um salteador vulgar.
Depois das cenas descritas com fidelidade nos
Evangelhos, observamos as disposições psicológicas dos discípulos, no momento
doloroso. Pedro e João foram os últimos a se separarem do Mestre bem-amado,
depois de tentarem fracos esforços pela sua libertação.
No dia seguinte, os movimentos criminosos da
turba arrefeceram o entusiasmo e o devotamento dos companheiros mais enérgicos
e decididos na fé. As penas impostas a Jesus eram excessivamente severas para
que fossem tentados a segui-lo. Da Corte Provincial ao palácio de Antipas,
viu-se o condenado exposto ao insulto e à zombaria. Com exceção do filho de
Zebedeu, que se conservou ao lado de Maria, até ao instante derradeiro, todos
os que integravam O reduzido colégio do Senhor debandaram. Receosos da
perseguição, alguns se ocultaram nos sítios próximos, enquanto outros, trocando
as túnicas habituais, seguiam, de longe, o inesquecível cortejo, vacilando
entre a dedicação e o temor.
O Messias, no entanto, coroando a sua obra com o
sacrifício máximo, tomou a cruz sem uma queixa, deixando-se imolar, sem
qualquer reprovação aos que o haviam abandonado, na hora última.
E o Mestre desencarnou...
Dois dias eram passados sobre o doloroso drama
do Calvário, em cuja cruz de inominável martírio se sacrificara o Mestre, pelo
bem de todos os homens. Penosa situação de dúvida reinava dentro da pequena
comunidade dos discípulos. Quase todos haviam vacilado na hora extrema.
O Messias redivivo, porém, observava a
incompreensão de seus discípulos, como o pastor que contempla o seu rebanho
desarvorado. Desejava fazer ouvida a sua palavra divina, dentro dos corações
atormentados; mas, só a fé ardente e o ardente amor conseguem vencer os abismos
de sombra entre a Terra e o Céu. E todos os companheiros se deixavam abater
pelas idéias negativas.
Foi então, quando, na manhã do terceiro dia, a
ex-pecadora de Magdala se acercou do sepulcro com perfumes e flores. Queria,
ainda uma vez, aromatizar aquelas mãos inertes e frias; queria, uma vez mais,
contemplar o Mestre adorado, para cobri-lo com o pranto do seu amor purificado
e ardoroso. No seu coração estava aquela fé radiosa e pura que o Senhor lhe
ensinara e, sobretudo, aquela dedicação divina, com que pudera renunciar a
todas as paixões que a seduziam no mundo. Maria Madalena ia ao túmulo com amor
e só o amor pode realizar os cometimentos supremos.
Estupefata, por não encontrar o corpo, já se
retirava entristecida, para dar ciência do que verificara aos companheiros,
quando uma voz carinhosa e meiga exclamou brandamente aos seus ouvidos:
— Maria!...
Ela se supôs admoestada pelo jardineiro; mas, em
breves instantes reconhecia a voz inesquecível do Mestre e lhe contemplava o
inolvidável sorriso. Quis atirar-se-lhe aos pés, beijar-lhe as mãos num suave
transporte de afetos, como faziam nas pregações do Tiberíades; porém, com um
gesto de soberana ternura, Jesus a afastou, esclarecendo:
— Não me toques, pois ainda não fui a meu Pai
que está nos céus!...
Instintivamente, Madalena se ajoelhou e recebeu
o olhar do Mestre, num transbordamento de lágrimas de inexcedível ventura. Era
a promessa de Jesus que se cumpria. A realidade da ressurreição era a essência
divina, que daria eternidade ao Cristianismo.
A mensagem da alegria ressoou, então, na
comunidade inteira. Jesus vivia! O Evangelho era a verdade imutável. Em todos
os corações pairava uma divina embriaguez de luz e júbilos celestiais. Levantava-se
a fé, renovava-se o amor, morrera a dúvida e reerguera-se o ânimo em todos os
espíritos. Na amplitude da vibração amorosa, outros olhos puderam vê-lo e
outros ouvidos lhe escutaram a voz dulçorosa e persuasiva, como nos dias
gloriosos de Jerusalém ou de Cafarnaum.
A luz da ressurreição, através da fé ardente e
do ardente amor de Maria Madalena, havia banhado de claridade imensa a estrada
cristã, para todos os séculos terrestres.
Porém, algum tempo passou, sem que o filho de
Zebedeu conseguisse esquecer a falta de vigilância da véspera do martírio.
Certa noite, após as reflexões costumeiras,
sentiu ele que um sono brando lhe anestesiava os centros vitais. Como numa
atmosfera de sonho, verificou que o Mestre se aproximava. Toda a sua figura se
destacava na sombra,, com divino resplendor. Precedendo suas palavras o sereno
sorriso dos tempos idos, disse-lhe Jesus :
– João, a minha soledade no horto é também um
ensinamento do Evangelho e uma exemplificação! Ela significará, para quantos
vierem em nossos passos, que cada espírito na Terra tem de ascender sozinho ao
calvário de sua redenção, muitas vezes com a despreocupação dos entes mais
amados do mundo. Em face dessa lição, o discípulo do futuro compreenderá que a
sua marcha tem que ser solitária, estando, em muitos casos, seus familiares e
companheiros de confiança a dormir o sono da indiferença!
Doravante, pois, aprendendo a necessidade do
valor individual no testemunho, nunca deixes de orar e vigiar!...
Humberto de campos (espírito),
Psicografia de Francisco Cândido Xavier
Livro: Boa Nova
----
O Espiritismo
www.oespiritismo.com.br